Monday, August 11, 2008

Parênteses: Reparação em Tempo

Abro mais um parêntese. Desta vez para compartilhar com vocês um texto enviado por um amigo que fiz durante meu tempo em São Paulo. De um humor afiado, um alto-astral invejável e inteligência admirável, o Rodolpho vez em quando me dá a felicidade de ler seus textos por e-mail (essa é pra explodir seu “pequeno” ego, hein Rodolpho?). Este é sobre o tempo...

Reparação em Tempo
Rodolpho Rocha (1)

Nunca se escreveu tanto, nunca se produziu tantas elucubrações sobre o tempo, sua importância, como usá-lo, como se tornar mais feliz dele se apropriando.

O que antes parecia ser preocupação dos poetas, compositores populares e filósofos pré-socráticos, hoje invadiu o erudito mundo dos negócios. Daí essa intensa “manifestação cultural” que, de forma mais oportunista que ingênua, nos apresentam receitas e recomendações para a conquista da felicidade neoliberal.

“Gestão do Tempo”, “Maximização do Tempo”, “Otimização do Tempo”, “Produtividade Pessoal”, são alguns dos títulos de livros ou de workshops que demonstram nossa conversão a esse tão disciplinado e eficiente ramo do conhecimento humano.

Em contraponto a esse ciclo de modernidade, segue o texto abaixo elaborado após entrevista com membro dissidente do movimento. (2)
Tempo você não investe.
Tempo você não resgata.
Tempo você não empresta.
Tempo não se desperdiça.
Tampouco se recupera.
Tempo nunca foi dinheiro,
(pois se o fosse, os Bancos dele se apropriariam e,
generosamente, o venderiam para nós com juros obscenos).
Tempo você não acumula,
porque não se pode ser guardado.
Tempo não passa, não vai, nem fica,
porque não é bloco de Carnaval,
nem catapora, nem propaganda gratuita de TV.
Tempo nunca se esgota,
o que acaba é apenas a areia fina
que um idiota desocupado
despejou num vidro de cintura fina e o chamou de ampulheta,
não sabendo o que fazer com o tamanho do seu tédio e o vazio da sua solidão.
Tempo não pode ser gerido,
porque você não é seu dono.
Tempo não pode ser absorvido,
porque não há estoque de toalha de papel disponível.
Tempo não pode ser curtido,
porque não é picles exibido em gôndola de supermercado.
Tempo não passa lentamente.
Tempo não voa tão depressa,
porque não é passarinho, não come alpiste, nem caga na sua desatenta cabeça globalizada.
Ninguém consome tempo,
nem por ele é consumido,
porque tempo não é alimento, não engorda, não provoca gases nem é distribuído em cestas básicas.
Tempo não cura porra nenhuma!
E nem faz parte do receituário farmacológico nacional (incluindo genéricos).
Tempo não acaba com sua dor de corno,
e nem apaga as cagadas que você cometeu.
Foi você, com sua sabedoria quase desconhecida
que guardou toda essa dor, toda essa ira
no lugar certo, dando-lhe o seu verdadeiro tamanho e significado.
E agora torna esses eventos quase bonitos
posto que é só lembrança.
Mas o tempo não tem nada a ver com isso!
Portanto, se você quer aprender sobre o tempo
fale com os malucos que nunca
acreditaram na divisão passado-presente-futuro que quiseram lhe impingir.
Ou fale com os preguiçosos,
que quase por reverência (ou por inércia)
não explicam o tempo, nem pensam em dominá-lo,
sabiamente, a ele se entregam!

(1) Notas sobre o autor: Rodolpho Rocha é consultor de empresas e vê com muita seriedade as questões relacionadas à administração e uso do tempo. Faz questão de destacar que o texto quase-poema não reflete sua posição pessoal, porque ele não sabe se a tem. A história é fictícia, o personagem é fictício, o congresso também o é. Só é verdadeira a morena e seu sorriso escancarado, assim como a praia deserta no litoral baiano que o brancaleônico exército dos ambientalistas insiste em preservar.
(2) Notas sobre o personagem: O personagem em questão era renomado palestrante de seminários internacionais sobre Administração do Tempo e não raras vezes aparecia em capas de revistas especializadas. Ocorre que num grande evento em São Paulo, onde faria a conferência magna, não apareceu: estava em ótima e sorridente companhia numa praia deserta no litoral baiano. Foi injuriado, foi processado, perdeu muito dinheiro, perdeu todo prestígio conquistado. Mas não se arrependeu nem um pouco da decisão tomada e hoje encanta turistas que compram suas peças de artesanato e ficam deslumbrados com o seu inglês tão fluente.
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(english version)
Brackets: Mending Time
Another bracket. This time is to share with you a text I received from a friend I made while I was in São Paulo. With a sharp humor and admirable intelligence; Rodolpho – one in a while – gives me the happiness of reading his writings on my mail box. This one is about “time”…
Mending Time
Rodolpho Rocha(1)
There has never been so much written, there has never been so many lucubrations about time, its importance, how to use it, how to be happier by appropriating it.

What used to only concern poets, popular music composer and pre-Socratics philosophers, today it has invaded the erudite world of business. That’s where the intense “cultural” manifestation, that in a more opportunistic than naïve way, shows us recipes and recommendations to achieve neo-liberal happiness.

“Time management,” “Maximization of Time,” “Optimization of Time,” “Personal Productivity,” are some of the book titles or workshop names that demonstrate our conversion to this so disciplined and efficient subject.

On the other side of the movement, the text below was created by a dissident of this successful universal movement. (2)
Time can’t be invested.
Time can’t be rescued.
Time can’t be lent.
Time can’t be wasted.
You also can’t get time back.
Time has never been money,
(because if it were, the banks would claim ownership over it and generously sell it back to us with obscene interest rates).
Time can’t be accumulated,
because you can’t keep time.
Time doesn’t pass, doesn’t go, doesn’t come,
because it’s not a parade float,
nor is it chicken pox, or an infomercial on TV.
Time never runs out,
what ends is just the fine sand
that some idiot with nothing to do
put in a glass with a tiny waistline and called it an hourglass,
not knowing what to do with his immense boredom and the empty space of loneliness.
Time can’t be managed,
because you’re not its owner.
Time can’t be absorbed,
because there aren’t enough paper towels.
Time can’t be cured,
because it’s not pickles on display in a supermarket aisle.
Time doesn’t go by slowly.
Time doesn’t fly so quickly,
because it’s not a birdie, it doesn’t eat bird seed, and it doesn’t poop in your distracted global head.
Nobody consumes time,
or is consumed by it,
because it’s not food, it doesn’t make you fat, it doesn’t give you gas, nor is it bought with food stamps.
Time doesn’t heal a goddamn thing!
And it doesn’t even exist in pharmacies anywhere (not even a generic substitution).
Time doesn’t heal the pain you feel when you’re cheated on,
And it doesn’t erase your fuck-ups.
It was you, with all your almost unknown wisdom
who kept all this pain, all this anger
in a great place, giving it its proper size and meaning.
And now you make these events almost beautiful
even though they’re only memories.
But time has nothing to do with it!
So, if you want to learn about time
Talk to the crazy people that never
believed in the division of past present future that others wanted to impose on people.
Or talk to the lazy ones,
those who, almost as an act of reverence (or due to inertia)
don’t explain time, nor do they think about dominating it,
full of wisdom, they give themselves to it.

(1) Note about the author: Rodolpho Rocha é HR consultant and takes time management issues very seriously. He wants to emphasize that the text, which is almost a poem, does not reflect his personal opinion, because he’s not sure he has one. The story is fictitious, the character and the big event are also. The only real part is the tanned beauty and his enormous smile, and also the deserted beach in the north of Brazil that a pasty white army insists on saving.
(2) Note about the character: The fictitious character used to be a famous lecturer in international workshops about Time Management, and many times has he appeared in magazine covers. But during a big event in São Paulo, where he was supposed to give an important lecture, he didn’t show up: he was all smiles and in great company on a beach in the north of Brazil. He was insulted and sued. He lost all of his money and all of his prestige. But he didn’t regret his decision at all. Today he charms tourists who buy his handmade pieces of art and are surprised to hear his fluent English.

2 comments:

Anonymous said...

Tempo,tempo, tempo... ele me chama agora...

Unknown said...

Ei, Gabiru!!!! Saudades enormes! Finalmente resolvi dar uma passeada pelo seu blog e lembrei porque eu demorei tanto a vir aqui. Praticamente levei um coro pra descobrir onde postava um comentário. Estou me sentindo uma analfabeta digital. Mas tive que comentar o texto super legal do seu amigo sobre o tempo. Lá no teatro, a gente tá investigando o tempo desde o início do ano. É tanto que a nossa apresentação foi sobre o tema. Vou levar esse texto pra eles verem, tá? Achei muito diferente de tudo que lemos até agora. Vão adorar. Agora vou terminar de ver seu blog. Bjos, Carol.